Você sabe conversar empaticamente com alguém que está morrendo?

Quando alguém tem uma doença crônica incurável, o assunto morte se faz presente e, ao contrário do que se pensa, o processo de morte pode ser um momento de grande aprendizado e crescimento para todos os envolvidos. A sensível médica de Cuidados Paliativos, Ana Claudia Quintana Arantes, em sua palestra para o TEDx FMUSP, afirma que frente à morte anunciada, a pessoa tem a oportunidade de redimensionar a própria existência, de fazer a síntese, de compreender muitas coisas, de perdoar e ser perdoado, de agradecer. Se ela estiver sem dor e tiver pessoas ao lado capazes de ouvi-la, vai poder fazer tudo isso. A questão é: estamos preparados para ouvir quem está morrendo?

“Não chora, não”, “Você é forte, vai superar”, “Tudo vai dar certo” são frases comuns quando uma pessoa está expressando sentimento de tristeza. Essas frases demonstram simpatia. Existem várias definições de simpatia, entre elas destaco esta, “ser amistoso, ser agradável, ser educado, é demonstrar gentileza e amabilidade para com o outro”. Apesar de serem muito usadas e a gente ter aprendido a vida toda que é bom ser simpático, tais frases impedem a conexão entre quem sofre e quem está por perto de quem sofre. No fundo, essa frases querem dizer “Eu não consigo ouvir sobre a sua dor, por isso, prefiro que você pare de expressá-la”.

No excelente vídeo “Empatia e Simpatia”, Brené Brown afirma que simpatia gera desconexão e empatia gera conexão. Eu já apresentei aqui uma definição de simpatia, mas o que é empatia? Segundo Brown, é sentir com as pessoas. É quando uma pessoa está sofrendo e a outra diz pra ela “Ei, eu sei como você está se sentindo e você não está sozinho”. Empatia é uma escolha vulnerável porque para se conectar com a pessoa que sofre temos que nos conectar com algo em nós mesmos que conhece aquele sentimento.

Quando dizemos frases de incentivo com as citadas no começo do texto, temos as melhores intenções, estamos tentando fazer a pessoa se sentir melhor. Porém, não é esse o efeito que conseguimos. Ela provavelmente vai parar de chorar porque não sente que está sendo acolhida. Dificilmente alguém continua expressando seus sentimentos depois de uma frase dessas. A sugestão de Brené Brown é dizer “Eu não sei o que te dizer, mas agradeço que tenha dividido comigo”. Porque a verdade é que raramente uma resposta melhora algo. O que melhora é a conexão.

Recentemente, uma pessoa me pediu opinião sobre o que dizer para uma outra pessoa que havia tentado suicídio. A minha resposta foi: “Apenas ouça. Ela não quer que você resolva os problemas dela, ela só quer ser ouvida e que os sentimentos dela sejam reconhecidos e validados”.

Atendo uma cliente idosa com câncer terminal que faz quimioterapia, muito querida e amada pela família. As filhas não querem que o diagnóstico seja dado para sua mãe, no entanto, durante o meu atendimento, a senhora fala claramente que tem câncer. As pessoas sabem que têm doenças graves. No caso dela, ela sabia exatamente qual diagnóstico porque sabe que quimioterapia é tratamento para câncer. Quando a mãe tentava falar sobre como estava se sentindo em relação ao fato de estar morrendo, as filhas interrompiam dizendo que ela ia viver muito, mesmo sabendo que não era verdade. A idosa não não tinha espaço para falar sobre a própria morte com a família e não pode ser acolhida, pelos filhos, nesse assunto tão importante.

Se nós temos uma dificuldade imensa de entrar em contato com os nossos sentimentos, imagina lidar com os sentimentos dos outros? A questão é que ouvir de maneira verdadeiramente empática é uma habilidade que pode ser desenvolvida e não precisa ser psicólogo para fazer isso.

Para ficar mais claro, apresento abaixo dois tipos de diálogo sobre morte, o primeiro simpático e o outro empático.

Diálogo simpático:
• Ana: Eu não tenho me sentido bem… Eu vou morrer?
• Maria: Imagina! Você pode viver muito mais do que eu! Não pensa nisso, não.
Silêncio.
Diálogo empático:
• Ana: Eu não tenho me sentido bem… Eu vou morrer?
• Fernanda: O que você acha?
• Ana: Eu acho que sim… Percebo que estou cada dia mais fraca.
• Fernanda: Imagino que essa sensação de fraqueza te deixe desanimada…
• Ana: Sim…
• Fernanda: Além de desanimada, como você se sente?
• Ana: Sinto tristeza… Queria fazer tanta coisa ainda…
• Fernanda: Quais coisas você gostaria de fazer?
• Ana: Queria poder pedir perdão para meus filhos e netos. Nos dois anos que fiquei muito deprimida, sei que magoei eles, tratei muito mal porque estava muito irritada e cansada.
• Fernanda: Eu me lembro dessa fase, foi bem difícil para você, não é?
• Ana: Foi demais… eu fiquei muito mal e destratei muita gente. Não quero ir embora sem me desculpar…
• Fernanda: Tem algo que eu possa fazer para te ajudar?
E a conversa segue e se aprofunda.
Durante o processo de morte temos vida e esse momento pode ser vivido com dignidade, encontros, conexão e muitas conversas empáticas. Que tal tentar?

Quer conhecer um pouco mais das referências citadas nesse texto?

Ana Claudia Quintana Arantes, palestra TEDx FMUSP, “A morte é um dia que vale a pena viver”:https://www.youtube.com/watch?v=ep354ZXKBEs

Brené Brown, “Empatia e Simpatia”: https://www.youtube.com/watch?v=_7BTwvVBrwE

Definição de simpatia: http://www.significados.com.br/simpatia/

bio Raquel Ribeiro, Ph.D.

Psicóloga, doutora em Psicologia Social (USP), especialista em Psicologia Hospitalar no Serviço de Geriatria (ICHC-FMUSP), diretora do Ateliê do Cuidado – Centro Especializado em Idosos – co-fundadora da página do Facebook SP Idosos e embaixadora do Lab 60+ Campinas.

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