Sobreviventes de câncer continuam sentindo dor depois?

02-Sobreviventes-de-câncer-continuam-sentindo-dor-depois

Entraremos em março, mês da mulher. Hoje escolhemos como tema as dores persistentes após o tratamento de câncer, na maioria das vezes neuropáticas e associadas às dores somáticas.

O fim do câncer significa o fim das dores?

Com o diagnóstico sendo feito mais cedo (o diagnóstico precoce) e os tratamentos melhores, cresce o número de sobreviventes do câncer, mas, junto, também cresce o número de pessoas afligidas com dores persistentes, resultado das sequelas do próprio processo da doença e/ou efeitos colaterais das terapias.

Abordaremos de um modo geral o impacto dessas dores e os três tipos mais comuns, os tratamentos possíveis e os procedimentos intervencionistas (nossa especialidade) que podem ser utilizados no seu manejo.

A dor fica em segundo plano e é sub-tratada

Durante o tratamento, com toda a atenção da equipe oncológica voltada para o câncer, muitas vezes a dor fica em segundo plano e acaba sendo sub-tratada. Para o paciente e família, a dor inevitavelmente traz desgaste — físico e psicológico.

Quando ela persiste ou se inicia uma dor crônica meses ou até anos após o fim do câncer, surge a questão: a família, os cuidadores e o sistema de saúde estão preparados para continuar oferecendo suporte?

>> O que você está sentindo pode ser dor neuropática?
Clique no link a seguir para ver as características dessa dor e um vídeo ilustrativo. [Link Descrevendo as Dores Neuropáticas]

Quantos sobreviventes sofrem de dor após o câncer?

Segundo um artigo no British Journal of Pain (2014), a dor atinge entre 30% e 60% dos sobreviventes de câncer, sendo que 40% têm mais de 70 anos e 5% têm menos de 40 anos.¹

Uma revisão sistemática publicada na Revista Dor (2016) analisou estudos entre 2005 e 2015 sobre a neuropatia induzida por quimioterapia e constatou que:

  • Desde 1970, o número de sobreviventes de câncer triplicou.
  • Hoje, são aproximadamente 28 milhões de pessoas ao redor do mundo.
  • Eventos adversos tardios ou de longa duração têm grande impacto.

Impacto negativo na funcionalidade e qualidade de vida

A dor pode surgir meses ou até anos depois, afetando a funcionalidade e comprometendo a qualidade de vida do paciente.

Os impactos atingem aspectos físicos, mentais e sociais, prejudicando a vida diária, o bem-estar emocional, o convívio familiar e a interação social. Isso impede a reabilitação completa e o retorno ao estilo de vida anterior ao câncer.

Entre as preocupações comuns dos sobreviventes estão:

  • Medo da recidiva da doença
  • Problemas com emprego e finanças
  • Dificuldade de acesso a serviços psicossociais
  • Cobertura do seguro para tratar a dor pós-câncer

Aceitação, prevenção e enfrentamento da dor

Como a maioria dos tratamentos oncológicos envolve cirurgia, radioterapia ou quimioterapia, é necessário aceitar que a dor pode surgir mesmo após o fim do câncer. Dessa forma, estratégias de prevenção e enfrentamento devem ser desenvolvidas.

Atualmente, discute-se a necessidade de repensar a quimioterapia para alguns tipos de câncer, considerando os benefícios e as possíveis sequelas no longo prazo, principalmente no que diz respeito à funcionalidade e qualidade de vida do paciente.

O acompanhamento com um médico especialista em dor e uma equipe multidisciplinar é essencial para tratar os múltiplos fatores envolvidos.

Nervos do sistema nervoso periférico são os mais afetados

A quimioterapia, amplamente utilizada para tratar neoplasias frequentes, é uma das principais responsáveis por efeitos adversos tardios devido ao seu potencial neurotóxico*.

* Potencial neurotóxico: capacidade da substância de causar danos aos nervos.

Embora a quimioterapia tenha como alvo as células cancerígenas, ela pode atingir estruturas saudáveis, principalmente os nervos do sistema nervoso periférico (SNP), causando neuropatia periférica induzida (NPI).

Além da NPI por quimioterapia, as principais síndromes de dor relatadas por sobreviventes incluem:

  • Dor persistente pós-cirurgia para remoção do câncer
  • Neuropatia periférica induzida pela quimioterapia
  • Dor relacionada à toxicidade pós-radioterapia

Outros tratamentos, como enxertos de pele, podem causar neuropatia associada ao procedimento. Já a hormonoterapia pode desencadear dores articulares, musculares e sintomas musculoesqueléticos, especialmente em pacientes tratados com inibidores de aromatase para câncer de mama.

O desafio do gerenciamento da dor

O manejo da dor pós-oncológica é complexo e exige uma abordagem personalizada. Como ainda não há pesquisas suficientes para prevenir ou aliviar completamente esses sintomas, é essencial aprofundar no histórico do paciente e realizar um exame clínico detalhado.

O médico deve considerar:

  • Fenótipo da dor
  • Diagnóstico e tratamento do câncer
  • Presença de comorbidades (ex.: diabetes)
  • Estado geral do paciente

Tratamentos convencionais

Os primeiros passos no tratamento incluem:

  • Fisioterapia
  • Medicamentos: corticoides, antidepressivos, antiepilépticos e opioides para dores intensas
  • Tratamentos não farmacológicos: apoio psicológico e terapias comportamentais
  • Terapias complementares: acupuntura, massagem, meditação, entre outros

Apesar da variedade de opções, nenhuma terapia é eficaz isoladamente. Além disso, é importante lembrar que os próprios medicamentos utilizados podem ter efeitos colaterais.

Tratamentos intervencionistas

Conforme a escada analgésica da OMS, os tratamentos intervencionistas representam o quarto degrau no controle da dor, mas podem ser indicados antes, dependendo da necessidade do paciente.

Eles têm a vantagem de reduzir a quantidade de medicamentos necessários, minimizando os efeitos colaterais. Algumas opções incluem:

  • Bloqueios de nervos periféricos
  • Neurólises
  • Neurotomias
  • Bloqueios de dor
  • Bloqueio neurolítico do plexo hipogástrico superior
  • Bloqueios occipitais

Estratégias complementares para o cuidado do paciente

Sem um tratamento farmacológico definitivo, o foco deve estar no cuidado contínuo e na educação do paciente e da família sobre os possíveis desdobramentos da dor crônica.

Entre as medidas essenciais estão:

  • Minimizar riscos de quedas e lesões decorrentes da hipoestesia (falta de sensibilidade)
  • Ajustar o estilo de vida e a rotina de trabalho
  • Evitar fatores de risco que agravem a neuropatia
  • Realizar reavaliações periódicas para monitorar a qualidade de vida e o estado funcional

Além disso, é fundamental estar atento ao risco de recorrência do câncer e buscar acompanhamento médico regular.

📺 Assista no meu canal o conteúdo exclusivo que fiz sobre o tema!

Referências

  1. Brown MRD, Ramirez J, Farquahar-Smith P. Pain in Cancer Survivors. British Journal of Pain, 2014, Vol. 8(4) 139–153.
  2. Caponero R, Montarroyos ES, Tahamtani SMM. Post-chemotherapy neuropathy. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1806-00132016000500056&script=sci_arttext&tlng=pt. Acesso em 24/01/2025.
  3. http://www.oncoguia.org.br/conteudo/dor/208/109/ Acesso em 24/01/2025.
Compartilhe:

Nosso últimos conteúdos