Dores persistentes mesmo após vencer a doença
Entramos em outubro, mês de conscientização com relação ao câncer de mama. Hoje escolhemos como tema as dores persistentes após o tratamento de câncer, na maioria das vezes neuropáticas e associadas às dores somáticas.
O fim do câncer significa o fim das dores?
Com o diagnóstico sendo feito mais cedo (o diagnóstico precoce) e os tratamentos melhores, cresce o número de sobreviventes do câncer, mas, junto, também cresce o número de pessoas afligidas com dores persistentes, resultado das sequelas do próprio processo da doença e/ou efeitos colaterais das terapias.
Abordaremos de um modo geral o impacto dessas dores e os três tipos mais comuns, os tratamentos possíveis e os procedimentos intervencionistas (nossa especialidade) que podem ser utilizados no seu manejo.
Dor fica em segundo plano, sub-tratada
Durante o tratamento, com toda a atenção da equipe oncológica voltada para o câncer, muitas vezes a dor fica em segundo plano e acaba sendo sub-tratada. Para o paciente e família, a dor inevitavelmente traz desgaste — físico e psicológico.
Quando elas continuam, como ocorre quando persistem, ou se começa uma dor crônica 3 meses, 1 ano depois do fim do câncer, a família, os cuidadores, o sistema de saúde… será que estão preparados para continuar dando o suporte necessário?
>>O que você está sentindo pode ser dor neuropática? Clique no link a seguir para ver as características dessa dor e um vídeo ilustrativo. [Link Descrevendo as Dores Neuropáticas]
Quantos sobreviventes sofrem de dor após o câncer
Segundo um artigo no British Journal of Pain (2014), as dores atingem em torno de 30 a 60% dos sobreviventes de câncer, dos quais 40% tem idade de mais de 70 anos e 5% cento menos de 40 anos.¹
Os autores de uma revisão sistemática, publicado na prestigiosa Revista Dor em 2016, examinaram estudos publicados no período de 2005 a 2015, em 3 idiomas, sobre a neuropatia induzida por quimioterapia, e viram que:
Desde 1970 triplicou-se o número de sobreviventes de câncer, que são agora aproximadamente 28 milhões de pessoas ao redor do mundo, nas quais, eventos adversos tardios ou de longa duração tem grande impacto.
Impacto negativo sobre funcionalidade e qualidade de vida
A dor de advento tardio pode começar 2, 3 meses ou até 1 ano depois, e afeta vários aspectos da vida, com consequente perda de qualidade de vida.
Esse impacto negativo sobre os aspectos biopsicossociais: o físico, a funcionalidade na vida diária, o bem-estar mental, o relacionamento com a família e a interação com a sociedade, impedem o sobrevivente de se reabilitar e se recuperar, e de voltar à funcionalidade que tinha antes do câncer.
Algumas preocupações comuns são medo da doença voltar, ou problemas com emprego, finanças, acesso a serviços psicossociais e até a cobertura do seguro para tratar a dor após a doença.
Aceitar a dor, prevenir e enfrentar
Diante da realidade que a maioria dos tratamentos oncológicos envolvem ou cirurgia, ou radioterapia ou quimioterapia e que 60% dos sobreviventes desenvolveram dor crônica relacionada a sequelas/tratamentos, é preciso aceitar que poderá haver dor depois do fim do câncer e desenvolver estratégias para sua prevenção ou enfrentamento.
Atualmente há tendências de repensar a quimioterapia no tratamento de alguns cânceres, no que pese em relação aos benefícios e sequelas da terapia, sendo de importância maior como estas afetarão a funcionalidade e qualidade de vida do paciente com a neoplasia.
Evidentemente, o diagnóstico e o acompanhamento por um médico de dor e uma equipe multidisciplinar é indicado devido aos múltiplos fatores que terão de ser tratados.
Mais comum nervos do sistema nervoso periférico sofrer danos
A quimioterapia, que utiliza em larga escala fármacos de potencial neurotóxico* nas neoplasias (cânceres) mais frequentes é a principal causadora de efeitos adversos tardios.
*Potencial neurotóxico significa que o medicamento tem possibilidade de causar dano aos nervos.
O que ocorre é que as drogas agem para eliminar as células cancerígenas, mas acabam atingindo outras estruturas saudáveis do corpo, mais frequentemente os nervos do sistema nervoso periférico (SNP), resultando na neuropatia periférica induzida (NPI) por quimioterapia.
A imagem a seguir demonstra como a densidade das fibras nervosas pequenas na pele reduz após a quimioterapia, o que significa que haverá menos sensibilidade ou outras funções da pele, que caracteriza as hiposestesias, parestesias, etc.
Além da NPI por quimioterapia, as principais síndromes de dor queixadas pelos sobreviventes são:
– Dor persistente pós cirurgia para remoção do câncer
– Neuropatia periférica induzida pela quimioterapia
– Dor relacionada a toxicidade pós-radioterapia
Outros tratamentos como os enxertos de pele podem causar neuropatia associada aos enxertos e as hormonoterapias, dores nas articulações, dores nos músculos, sintomas músculo-esqueléticas, induzidas por inibidores de aromatase, os hormônios usados no manejo do câncer de mama.
Gerenciamento da dor um desafio
Do ponto de vista médico, o gerenciamento da dor pós-oncológica é um desafio e, na formulação do plano de tratamento, múltiplos fatores têm de ser considerados.
Ainda não há pesquisas suficientes para identificar maneiras de prevenir ou aliviar os sintomas, por isso se faz necessário aprofundar no histórico do paciente e fazer o exame clínico, para saber o que está causando a dor e como ela está afetando o bem-estar do paciente.
Seu médico deve dar atenção especial a: fenótipo da dor, diagnóstico e tratamento do câncer feito antes, presença de comorbidades relevantes (diabetes, etc), assim como estado do paciente.
Tratamentos convencionais
Os primeiros degraus de tratamento incluem modalidades como fisioterapia; tratamentos farmacológicos (ex.: corticóides, antidepressivos, antiepiléticos e opióides para controlar a dor severa; tratamentos não-farmacológicos (na abordagem dos aspectos psicossociais da dor crônica), terapias complementares (ex.: acupuntura, massagem, meditação, e outros).
Apesar do grande número de tratamentos disponíveis, nenhuma terapia é eficaz sozinha e ainda, é bom lembrar que mesmo os medicamentos utilizados para aliviar os efeitos das terapias podem ter seus próprios efeitos colaterais.
Tratamentos intervencionistas
Estes, de acordo com a escada de tratamento do câncer da OMS, constituem o quarto degrau de tratamento, mas, podem ser utilizados em qualquer degrau, conforme a necessidade, muitas vezes poupando o sobrevivente dos efeitos colaterais dos fármacos por diminuir a quantidade de medicamento usada, já que trata diretamente o nervo ou região causando a dor.
- Bloqueios de nervos periféricos
- Neurólises
- Neurotomias
- Bloqueios de dor
- Bloqueio neurolítico do plexo hipogástrico superior
- Bloqueios occipitais
Outras estratégias
Não havendo um tratamento farmacológico definido, as estratégias adotadas devem centrar no cuidado ao paciente, a promoção da educação ao paciente com esclarecimentos para ele e a família sobre os eventos que podem esperar; a minimização de quedas e do risco de ferimentos decorrentes da hipoestesia (falta de sensibilidade); a modificação do estilo de vida e as atividades de trabalho; e evitamento de fatores de risco que agravem a neuropatia.
Finalmente, lembrar de fazer reavaliações periódicas e ter atenção à melhoria no estado funcional e na qualidade de vida como um todo… e sempre estar vigilante com relação ao risco da recorrência do câncer.
Assista no meu canal o conteúdo exclusivo que fiz sobre o tema:
Boa semana para todos!
Sugestão de leitura:
Dor Neuropática após Quimioterapia
Referências:
- Brown MRD, Ramirez J, Farquahar-Smith P. Pain in Cancer Survivors.British Journal of Pain 2014, Vol. 8(4) 139–153
- Caponero R, Montarroyos ES, Tahamtani SMM. Post-chemotherapy neuropathy. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1806-00132016000500056&script=sci_arttext&tlng=pt. Acessado em 15/09/2017 às 20:00.
- https://www.iasp-pain.org/files/AM/Images/PCU/PCU%2024-4_web.pdf. Acessado em 15/09/2017 às 21:00.
- http://www.oncoguia.org.br/conteudo/dor/208/109/