Dor e Desordens Associadas ao Efeito-chicote
Em épocas de feriado prolongado como esta, o trânsito nas estradas é maior e são comuns acidentes em que motorista ou passageiros sofrem lesões em chicote, por isso o tema de hoje, o qual será apresentado em duas partes.
A lesão não se limita apenas aos acidentes com veículos. Pode ocorrer nos esportes de contato, como o futebol, o rugby, as artes marciais; em quedas ou outros eventos traumáticos da coluna cervical (CC).
Também chamado de mecanismo de aceleração-deceleração cervical ou efeito chicote, ao impacto, o pescoço vai subitamente para frente ou para trás. Há uma hiperextensão, podendo haver rompimento de músculos e tendões, lesão de tecidos moles ou das vértebras cervicais.
Embora seja considerado um ferimento leve, se não for tratado adequadamente, a dor persistir resultando na síndrome da lesão em chicote, que engloba a dor no pescoço (cervicalgia) e as diversas manifestações músculo-esqueléticas e neurológicas associadas ao efeito chicote.
Manifestações clínicas
A dor pode aparecer imediatamente ou até anos após o evento e se manifesta principalmente nas articulações da coluna superior ou na cabeça, irradiando desde a base do crânio até a testa. Pode ser sentida também nas costas, no ombro ou no braço. A pessoa pode queixar de dores ao balançar a cabeça de um lado para o outro, ou para trás para frente, reduzindo a amplitude de movimento.
Outros sintomas incluem: tensão muscular, sensibilidade/pontos sensíveis, rigidez no pescoço, dor de cabeça, dificuldade para engolir, fadiga, tonteira, distúrbios visuais ou auditivos, parestesias, intolerância à claridade. Também pode ser apresentado dificuldades cognitivas como perda de memória ou concentração e sintomas de Desordem de Estresse Pós-traumático (DEPT) [clique no link para ler guest post da psicóloga Ana Carvalho do Singular sobre a DEPT]. Todas estas constituem Desordens Associadas à Lesão em Chicote.
É importante observar que as dores podem ser similares àquelas causadas por mudanças osteoartríticas, pois o que ocorre é estresse ou lesão das articulações facetárias que estabilizam e ajudam a guiar os movimentos da vértebra, só que neste caso pelo movimento brusco sofrido e não pelo desgaste ou inflamação delas que é característico das condições degenerativas. Pode acontecer da pessoa que sofreu a lesão ter, sem saber, uma condição degenerativa que é agravada pelo impacto.
Post Mundo sem Dor sobre Efeito Chicote
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E MANEJO
Não há nenhum teste específico para um diagnóstico de lesão em chicote. A radiografia (raio-X) geralmente é utilizada nos casos onde há suspeita de fratura ou luxação enquanto a ressonância magnética nuclear (RMN) e a tomografia computadorizada (TC) são utilizados para detectar lesões dos tecidos moles. No diagnóstico da síndrome, a termografia pode ser usada para detectar inflamações, e os bloqueios diferenciais para identificar potenciais causadores da dor.
Nos últimos tempos, principalmente em países onde a economia está pouco aquecida, tem havido muitas tentativas de fraude, com pessoas buscando indenizações ou benefícios indevidos baseado nesta lesão. Para auxiliar o médico a detectar os “simuladores”, um esquema de classificação foi desenvolvido no Canadá (Quebec Task Force), que estabelece cinco níveis de gravidade da lesão e a possibilidade da dor ter cronificado mesmo. Como já citado acima, outros testes recomendados são a termografia e o bloqueio diferencial. (Link para artigo que contém a tabela)
Se você foi diagnosticado e recebeu tratamento, mas ainda sente dores três meses depois do evento causador, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP, em inglês) indica que procure um programa de manejo da dor para evitar que esta dor progrida para a dor crônica, a qual pode ser severa e incapacitante.
Nesta síndrome, durante e após o tratamento, é importante o acompanhamento psicológico, assim como a educação e instrução ao paciente para manter-se ativo. Sendo assim, o ideal é o tratamento por uma equipe interdisciplinar.
Escada de Tratamento da Dor
Quem já leu nossos posts sobre tratamentos já deve estar familiarizado com os estágios progressivos de manejo da dor crônica recomendados pela OMS.
A primeira linha de tratamento intervencionista é conservadora, com analgésicos e anti-inflamatórios, e talvez um colar cervical macio (embora hoje seu uso esteja sendo questionado no caso do whiplash). O segundo degrau envolve analgésicos mais potentes, anti-inflamatórios e drogas adjuvantes como relaxantes musculares, aliado com terapias coadjuvantes como a fisioterapia. Visa reduzir a dor, mas também busca diminuir o sofrimento e a incapacidade associadas a ela. Lembremos sempre de tratar a dor nos aspectos biopsicossociais.
Quando opções farmacológicas e terapias adjuvantes para dor intensa (terceiro degrau) falham, e a dor continua, a dor passa a ser classificada como dor refratária e subimos para o próximo degrau de tratamento: os procedimentos intervencionistas, que são minimamente invasivos e realizados em regime ambulatorial.
Esta semana na Parte II falarei sobre os procedimentos intervencionistas (bloqueios anestésicos) indicados nas terapias intervencionistas da síndrome de dor do efeito-chicote.
E para quem está voltando para casa agora após o fim de semana prolongado, dirija com cuidado! Boa semana para todos!
Leitura complementar:
Efeito Chicote
DEPT – Desordem de Estresse Pós-traumático
Modelo de Tratamento Biopsicossocial
Referências:
IASP – http://smiold.hst.aau.dk/GlobalYearMSP/en/Whiplash.pdf
http://www.crp.pt/docs/A45S143-102_Art_T3_7CRP_2013.pdf