Dor crônica comum depois de cirurgias para retirada de câncer de mama
Muitos pacientes desenvolvem dor crônica secundária aos tratamentos contra o câncer — a mastectomia é um destes, assim como as terapias combinadas a ela, sejam a quimio-, radio- ou hormonioterapia. Dando continuidade ao tema de dores após tratamentos anti-neoplásicos, hoje vamos falar da síndrome de dor pós-mastectomia.
O que é? Quem pode ser portadora, como pode ser tratada? Você já teve uma conversa franca com cada profissional da sua equipe de cuidados oncológicos sobre o que esperar antes, durante e depois do procedimento?
Primeiro, vamos falar o que é essa síndrome de dor e a quem acomete. Depois abordaremos sua incidência, fatores de risco, principais características e causas da síndrome, e finalmente os tratamentos e estratégias para enfrentamento.
Síndrome de Dor Pós-Mastectomia (SDPM)
Definição – Segundo a International Association for the Study of Pain (IASP), a SDPM é:
(…) a dor crônica que se inicia após mastectomia/quadrantectomia, localizada na face anterior do tórax, axila e/ou na metade superior do braço e que persiste por período superior a três meses após a operação.
As cirurgias são de três tipos:
1) mastectomia – retirada parcial ou total da mama
2) lumpectomia – cirurgia com preservação da mama e
3) quadrantectomia – remoção de um quarto da mama e às vezes algum tecido da axila e os linfonodos.
Incidência – Das mulheres que passam por estes tratamentos, 20 a 50% serão acometidas pela SDPM, principalmente aquelas submetidas à quadrantectomia. A estimativa de casos de câncer de mama no Brasil, no biênio 2016-2017, segundo o mapa de câncer do Instituto Nacional do Câncer (INCA) é de quase 57,9 em cada 100 mil mulheres e a dor crônica pós-mastectomia atinge de 20 a 50% dessas mulheres.
Fatores de risco:
- Idade (mulheres <35 anos mais propensas pela agressividade e alta taxa de recorrência que o câncer mamário demonstra nesta faixa de idade)
- Cirurgias mais invasivas
- Terapias anteriores ou posteriores ao procedimento: quimioterapia, hormonioterapia, radioterapia
Ainda, se não fizer nenhum tipo de manejo da dor, podem surgir outros problemas como a síndrome do ombro congelado (capsulite adesiva), insônia e linfedema (acúmulo de fluído que causa inchaço no peito ou braço), entre outros.
Características – Dor persistente ou intermitente com períodos de piora e acalmia, na parede anterior do tórax, axila ou face medial do braço. É comum queimor ou dolorimento, com paroxismo de dor lancinante e tipo choque, hiperalgesia, alodínia, disestesias com vários graus de desconforto, e dor da mama fantasma.¹
Sua intensidade varia de moderada a forte. Tem início poucas horas, semanas ou meses depois do procedimento cirúrgico e pode persistir por muito tempo depois do procedimento, anos até.
Causas
- lesão dos nervos durante o procedimento (mais comumente o nervo intercostobraquial),
- formação de neuroma traumático ou de tecido cicatricial depois da cirurgia, ou
- disfunções do sistema nervoso periférico,
Sendo todas as causas originadas em danos ao sistema nervoso, é considerada de natureza neuropática.
“Doutor, já tem três meses e a dor ainda não foi embora – o que faço?!”
Já se foram três meses e a dor continua. Cai a qualidade de vida. Cai o funcionamento físico e social . Sente dores ao dirigir, cuidar dos filhos, fazer trabalhos domésticos, deitar do lado da cirurgia, colocar o sutiã; ou no lazer, na atividade sexual; ou se sente ansiosa, depressiva e, de uma maneira geral, sente seu bem-estar reduzido… cuidado.
Converse com seu médico. Quanto antes começar o controle da dor e aprender estratégias para lidar com a SDPM, melhores as condições de enfrenta-la. Veja abaixo alguns exercícios para afastar a rigidez muscular e voltar a fazer seus movimentos normais….se seu médico já liberou.
Diagnóstico e tratamentos
Seu médico pedirá para você contar sua história médica e pré-cirúrgica, fará um exame clínico e uma avaliação de pontos de pressão – utilizando uma agulha fina. Provavelmente pedirá uma eletroneuromiografia — um teste para ver se houve danos aos nervos.
Tendo o diagnóstico, uma abordagem multidisciplinar é recomendável. Isto porque nenhum tratamento sozinho é eficaz — a combinação de várias modalidades terapêuticas se mostra mais efetiva.
Esse manejo costuma começar com o tratamento convencional (analgésicos e fisioterapia) e se não funcionar, vai subindo os degraus de tratamento da dor do câncer (segundo a OMS). Entretanto, mesmo que as técnicas intervencionistas de dor estejam no degrau mais avançado de tratamento, não é preciso esperar para utilizá-las; pode ser quando for indicado. Aqui estão as principais:
- bloqueios anestésicos
- bloqueios do gânglio estrelado
- estimulação elétrica transcutânea do nervo (TENS)
- estimulação de nervos periféricos (ex.: neuroestimulador Stimwave)
As modalidades terapêuticas
– Farmacoterapia: anti-convulsivantes e anti-depressivos (ex.: amitriptilina, venlafaxina, gabapentina); medicamentos tópicos – capsaicina para a pele/inflamações da pele
– Fisioterapia – a dor pode fazer a pessoa poupar o braço e sobrecarregar outra parte, limitar os movimentos do braço e perder a rotação do ombro; exercícios focados em braços, ombros e peito
– Ortopedia – poderá ser encaminhado para o ortopedista se tiver a síndrome do ombro congelado
– Psicoterapia: terapia cognitivo-comportamental
– Terapias alternativas – acupuntura, massagem, drenagem linfática, exercícios de relaxamento
E, não se pode esquecer da boa nutrição, da boa noite de sono e dos exercícios.
Conversas francas antes do tratamento cirúrgico
Finalmente, reforço a utilidade de se ter uma conversa aberta com cada membro da sua equipe de cuidados, abordando o manejo da dor pré, e pós-procedimento, principalmente seu cirurgião, médico de dor ou anestesiologista. Cada profissional acrescenta informações valiosas. O/A psicólogo/a poderá ouvir suas preocupações ou o/a nutricionista poderá indicar a melhor alimentação para seu corpo se fortalecer antes e recuperar depois, etc. Pois, quanto menos ansiosa e mais informada estiver, melhor será sua recuperação.
Um plano de controle da dor pode ser sua chance de enfrentar a SDPM e melhorar sua qualidade de vida; ainda que a dor não seja totalmente eliminada, poderá ser aliviada. Esse tratamento de dor deve ser multimodal, de preferência em uma clínica de dor com profissionais experientes.
Não precisa ser forte e aguentar, procure ajuda.
References
- Couceiro T., Menezes TC, Valença MM. Síndrome Dolorosa Pós-Mastectomia. A Magnitude do Problema. Rev Bras Anestesiol. ARTIGO DE REVISÃO. 2009; 59: 3: 358-365. Acessado em 11/10/2017. http://www.scielo.br/pdf/rba/v59n3/12.pdf
- IASP Online. https://www.iasp-pain.org/
- http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/mapa.asp?ID=5