Psicologia e a Tragédia em Santa Maria

Queridos leitores,

Fizemos um intervalo em nossos posts usuais para aqui registrar as nossas condolências para as mães, pais, familiares e amigos dos jovens que partiram em Santa Maria e, diante do palpável sofrimento da nação e em prol de uma reflexão sobre a psicologia no tratamento da dor traumática, convidamos um dos psicólogos do Singular, José Siqueira, a escrever para vocês esta semana.

Dr. Charles e Equipe Mundo Sem Dor

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A tragédia em Santa Maria tem despertado os mais variados sentimentos nas pessoas.

Para nós que acompanhamos a situação através dos constantes boletins noticiários, predominam o choque, a consternação o desconforto diante da morte de centenas de jovens, a indignação, a espera de que os culpados por tamanha negligência sejam responsabilizados judicialmente, a tristeza e a compaixão: dor. Com o tempo, estes sentimentos devem se transformar em um certo incômodo e uma triste lembrança de um fato que não deveria ter ocorrido.

Para as pessoas que vivenciaram essa terrível experiência e para os parentes das vítimas, tais sentimentos se intensificam e misturam-se a tantos outros. Um evento que desencadeia emoções tão intensas pode configurar-se como uma situação traumática, podendo causar consequências devastadoras na estrutura psíquica dos envolvidos.

Trauma

Em Psicologia, consideramos que o trauma não é o evento em si, mas sim a resposta de cada indivíduo especificamente em relação ao acontecimento. Percebemos que em situações limite há pessoas que se fragilizam mais, enquanto outras demonstram mais resistência. Quando uma pessoa torna-se sobrecarregada cronicamente diante de uma situação, podemos dizer que se trata de um trauma.

Como as pessoas reagem a um trauma

Uma crise nas proporções do incêndio em Santa Maria pode provocar inúmeras reações nas pessoas que a vivenciaram. Não é raro ocorrer uma desestruturação psíquica, em que o indivíduo perde o contato com a realidade. Em alguns casos, a pessoa passa a vivenciar continuamente as cenas do episódio do desastre, tanto acordada como durante sonhos e pesadelos. Outra consequência possível é o desenvolvimento de um quadro de dor crônica a partir da vivência de um trauma.

Sequelas do trauma

Algumas pessoas precisam de suporte psicológico e tratamento psiquiátrico até muito tempo depois de ocorrida a situação traumática. Um distúrbio frequente nestes casos é o Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT), que, segundo o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), configura-se como o desenvolvimento de sintomas característicos após a exposição a um extremo estressor traumático, envolvendo respostas de intenso medo, impotência ou horror.

Os sintomas incluem revivência persistente do evento, excitação aumentada e esquiva de estímulos associados ao trauma. Para ser caracterizado como Transtorno do Estresse Pós-Traumático, o quadro deve estar presente por mais de 1 mês, com sofrimento e prejuízo do funcionamento ocupacional, social ou de outras áreas importantes da vida do indivíduo.

Processo de luto

Outro aspecto importante a considerarmos é a situação dos parentes das vítimas. Lidar com a perda de pessoas queridas, em uma situação tão dramática não é fácil. É importante que os parentes e amigos das vítimas fatais possam chorar e manifestar suas emoções a fim de melhor elaborar o luto.

Além disso, os próprios profissionais, cuidadores e voluntários também estão imersos neste ambiente de profundas emoções e podem se sentir muitas vezes sobrecarregados ou até sentir impotência diante de casos tão graves, em um acontecimento tão trágico.

Apoio psicológico

Diante de tantos aspectos emocionais envolvidos numa situação drástica como o que aconteceu em Santa Maria, torna-se fundamental a atuação de psicólogos, fornecendo apoio aos familiares, cuidadores, profissionais, voluntários e também aos sobreviventes da tragédia.

Há inclusive, um campo de atuação psicológico em forte crescimento que se destina especificamente ao atendimento em emergências e desastres. Um número cada vez maior de profissionais vem se especializando nesta área, que comporta aspectos terapêuticos e também preventivos.

Reflexões

O filósofo Martin Heidegger afirma que o ser humano é um “ser-para-a-morte”, ou seja, desde o seu nascimento, está destinado a morrer. A sabedoria popular também apregoa que a “morte é nossa única certeza na vida”. Poucos, porém, conseguem ter uma consciência clara de que um dia não existiremos mais.

A ciência pouco pode nos ajudar em relação a compreender esta ideia, pois ela escapa completamente ao pensamento racional. Outro filósofo, Jean Paul Sartre, considera que a morte tem um caráter absurdo, o absurdo total que é a não mais existência.

Quando se trata da morte de mais de duzentos jovens, de uma forma dramática como a que ocorreu em Santa Maria, a compreensão torna-se ainda mais difícil. O caráter absurdo, descrito por Sartre, se escancara à nossa frente, nos telejornais, nas bancas de revista, nas conversas em todo o canto.

Resta então o nosso profundo pesar e os nossos mais sinceros sentimentos a todas as vítimas do incêndio e seus familiares…

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