O que falta para o acesso a tratamentos de dor na rede pública?

Os opioides e o acesso universal a eles na dor do câncer já foi tema de vários artigos postados aqui no blog – veja links abaixo. Para minha satisfação, o tema encontrou ressonância e foi foco da entrevista entre mim e Cláudia Collucci, jornalista da Folha de S. Paulo, realizado para o desenvolvimento do seu artigo, “Burocracia restringe acesso de doente com câncer à morfina”, (12/12/2013). Falamos com relação ao tema do artigo, mas, estávamos cientes que a questão é bem mais abrangente. Alguns pontos abordados na entrevista:

  • Dificuldades de acesso aos opioides:

– opiofobia da população e médicos
– crenças irracionais (“quem utiliza está em fase terminal”)
– despreparo dos prescritores,
– custo alto exceto metadona,
– restrição de locais de comercialização (inclusive as farmácias que vendem sofrem maior fiscalização)
– dificuldade de acesso do médico ao receituário tipo A (precisa ir até uma unidade da secretaria de saúde se cadastrar)

  • Influência do acesso universal a opioides no IDH

O IDH é o índice de desenvolvimento humano que é usado para avaliar a qualidade de vida existente nos países do mundo. Um dos critérios para o calculo de tal índice é o consumo per capita de opioides.

Os países da América Latina ocupam posição de grande desvantagem neste quesito. No entanto, toda pílula tem seu lado amargo, pois, embora os EUA consumam 80 % dos opioides do mundo todo, com 4,6% da população global, 2/3 do consumo é ilegal.

Dados sobre consumo de opioides e morfina

Nos EUA, consome-se 693,44 mg de opioides per capita e no Brasil, 11,72 mg (ref. 2010).

Dados atualizados ref. 2015: Novos dados para 2015 fornecidos pela Anvisa para o Comitê Internacional de Controle de Narcóticos com relação a consumo de opioides menos metadona, publicado pelo Grupo de Políticas em Dor da Universidade de Wisconsin², mostram consumo de 10,48 mg per capita no Brasil e 520,59 mg per capita nos EUA.

mapa de uso de opioides 2015

 

Referente ao consumo per capita somente de morfina, os EUA consome 73 mg e Brasil, 5,13 mg.¹ Dados atualizados (2015) mostram 4,54 mg per capita no Brasil e 79,90 mg per capita nos EUA.
Comparativo consumo morfina EUA-Brasil

 

 

  • Acessibilidade

Comparado com Argentina, nosso país vizinho, por exemplo, vemos que as medicações são disponibilizadas para a população, enquanto no Brasil, somente há ilhas onde estão disponibilizadas, como INCA ou ICESP. Nos postos de saúde, quando tem, é a codeína.

  • Resistência

A maior resistência entre médicos se deve às complicações que podem surgir no uso de opioides: náuseas, vômitos, depressão respiratória (maior medo dos médicos, porém, não está entre as mais frequentes), hiperalgesia, hipogonadismo, disfunção sexual). Para combater isso, é importante a educação aos profissionais que prescreveriam as medicações e aos pacientes também.

Hoje volto à questão da abrangência dessa acessibilidade, desburocratização e educação, desta vez com relação a todos os tratamentos, principalmente os da dor após ter chamado minha atenção novo artigo da mesma jornalista na Folha de São Paulo digital, “Método esbarra em entraves e é pouco acessível na rede pública”. No artigo ela aborda a falta de acesso universal a uma técnica minimamente invasiva que utiliza microcateteres no tratamento de vários tipos de tumores e hemorragia; procedimento já aprovado pelo Conselho Federal de Medicina, especialmente no tratamento de miomas uterinos e tumores no fígado, e agora próstata aumentada.

Cláudia questiona os nossos gestores de saúde se não compensaria um investimento inicial nos equipamentos para os pacientes terem acesso ao procedimento, pois, como é minimamente invasiva, não há cortes e a internação é curtíssima. Implicaria numa economia de tempo de internação, anestesias e risco de complicações como infecções, etc.

Nítido é o paralelo com as técnicas minimamente invasivas utilizadas no tratamento de dor. Se os pacientes tivessem acesso a elas, mediante o SUS ou os planos de saúde, evitaria o sofrimento desnecessário da dor, que poderia ser aliviado com menos riscos. No nosso caso da medicina intervencionista da dor, na maioria dos procedimentos o paciente sai no mesmo dia. Para procedimentos mais complexos, a internação é no máximo 48 horas.

Cito um trecho de um post meu de novembro de 2012, “O Brasil precisa instituir políticas públicas sérias no controle da dor do câncer, tais como disponibilização de opioides à população na rede pública e treinamento médico para prescrição correta, já que reina em nosso meio a opiofobia,
tanto na classe médica quanto na sociedade.” Leia o post… 

O que falta para ser aprovada para a rede pública?

Anima-me que neste início de 2014 as vozes da sociedade civil, se juntem às da comunidade médico-científica, mediante meios oficiais e digitais, para reivindicar que os gestores do nossos sistema de saúde comecem a agir para desburocratizar o acesso a novas técnicas já testadas e aprovadas, permitindo assim o eficiente alívio de dor àqueles que sofrem.

08/05/2017 – E o debate continua. Pelos dados nos mapas atualizados acima, podemos ver que diminuiu o uso dos opióides no Brasil, inclusive da morfina. Esta redução reflete a campanha de combate ao abuso de opióides nos Estados Unidos, o continuado sub-tratamento no Brasil ou o uso de outras técnicas que evitam o uso destas medicações? Matéria para novo post!

Links para artigos do blog sobre os opioides, grupo a que pertence a morfina:
Opioides potentes no alívio da dor severa
Opioide – fármaco topo da escada de controle da dor
Níveis adequados de vitamina D, maior a ingestão de opioides
Abuso de medicamentos controlados

 

¹ Dados Google de 2010 Opioid consumptions maps

² http://www.painpolicy.wisc.edu/opioid-consumption-data#Morphine%20Equivalence. Acessado em 08/05/2017 às 17h00.

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