Meu Caminho de Santiago de Compostela

No ano 2000 fui fazer o Caminho de Santiago de Compostela de bicicleta. Tinha terminado um relacionamento de 4 anos e precisava reorganizar meus pensamentos.

Comprei uma bicicleta, fiz uma preparação física mínima, aprendi o básico da manutenção da bicicleta, arrumei um mala-bike emprestado e parti para Roncesvalles de onde iniciei minha viagem de 900km até Compostela. Este é conhecido como o caminho francês e faz todo o sentido porque Roncesvalles esta na divisa com a França.

Foi um viagem fantástica onde iniciei cheio de dúvidas e ali encontrei respostas para as perguntas que tinha levado comigo.

Na época eu tinha 29 anos. Cheguei lá sozinho e fiz uma amizade no primeiro dia, com Antônio. Ele era espanhol, tinha 40 anos, estava em sobrepeso e não havia se preparado bem para esta viagem; nem ele nem a bicicleta. Com dois dias juntos estávamos descompassados, em ritmos diferentes.  Ele me chamou e disse assim:

“Estou atrapalhando sua viagem. Siga seu caminho.”

Foram  palavras proferidas com muita sabedoria pois foi o desfecho que necessitava para entender o término de relacionamento com a namorada. Como ela dizia-me:  “parece que estamos ligados por um tábua de salvação”.

Recomposto desta ruptura de viagem com Antônio, viajei um dia só. E estar só no caminho, apesar de duro, faz parte do processo. Bate uma solidão mas na verdade nunca estamos totalmente isolados porque durante o verão são milhares de pessoas que fazem o Caminho de Compostela.

No dia seguinte um outro irmão do caminho entrou em minha rota. Estávamos pedalando no mesmo ritmo e seguimos juntos por quatro dias, até León. Esse amigo tinha um nome muito especial: Jesus. Portanto, quando achava que estava só, Jesus apareceu na minha rota. Interessante não? Quando chegamos a León, Jesus encerrou sua jornada e reiniciaria daquele mesmo ponto somente no verão seguinte. Esta viagem em fatias é bastante comum entre os espanhóis.

Meu companheiro Jesus me deu dois presentes: um deles foi o isolante térmico para utilizar por debaixo do saco de dormir. Incrivelmente a partir daquele dia me tocou dormir no chão todos os dias sem excessão e o isolante térmico foi fundamental. O outro presente que Jesus me deu veio pelos correios depois: o livro “Los pilares de la Tierra” de Ken Follett.

A partir desta nova separação, me juntei a um novo grupo, agora com mais três pessoas. Eram eles tio, sobrinho e Oscar. Fiz uma ótima amizade com todos,  principalmente com Oscar. Com este trio, chegamos a Santiago de Compostela.

Charles e Oscar. Irmão de Caminho de Santiago

O último aprendizado que o caminho deu foi entender que é  impossível realizar o Caminho de Santiago em 1 dia. Foram  longos 13 dias. Um dia depois do outro. Há problemas na vida que não conseguimos resolver na velocidade que desejamos mas tudo tem o tempo certo.

Todas essas memórias retornam a mim agora.

Estou na Espanha de férias e encontrei Oscar Barges,  21 anos depois, em Valência. Foi como reencontrar um amigo de escola, como se o Caminho tivesse acabado ontem.

Guardo com muito carinho a minha bicicleta do caminho.

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