Manter a “vida” no tempo final da vida: como a morte muda nossa visão.

Convidei o médico anestesiologista e paliativista, Dr. Carlos Marcelo Barros, para relatar sua experiência com pacientes com dor e em fim de vida.

 

Compartilhamos seu texto aqui:

A medicina da dor associada a minha atuação em Cuidados Paliativos mudaram a minha maneira de ver o mundo!

Podemos controlar todos os aspectos da nossa vida? Apesar da sensação de que seja possível fazer isso, acredito que os resultados de nossas escolhas sejam imprevisíveis. Explico com uma comparação: o velejador em um barco a velas tem o controle das velas, jamais do vento.

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“Quem elegeu a busca, não pode recusar a travessia…” João Guimarães Rosa

Escolhi a formação em Anestesiologia com área de atuação em dor, mas, ao ser convidado para assumir um ambulatório de Tratamento de Dor, iniciei meus estudos em Cuidados Paliativos. E foi assim que comecei a navegar em águas até então desconhecidas por mim.

O que é “salvar vidas”?

Acabei revendo meu conceito de que é “salvar uma vida” com meu trabalho no ambulatório de dor. Sem maiores pretensões, o serviço que assumi foi encorpando ao receber um grande número dos pacientes proveniente do ambulatório de oncologia, pacientes encaminhados para tratamento de dor ligado ao câncer e suas variáveis, muitos deles fora de possibilidade terapêutica.

Ao invés desta movimentação me desanimar, percebi que ali havia surgido uma oportunidade de aprendizado e crescimento profissional. Trabalhar com pessoas à beira da morte ressignificou em mim o real sentido do exercício da medicina e modificou meu conceito médico de “salvar vidas”.

Ao entender que somos falíveis, amadureci como profissional médico. Percebi que o domínio técnico das melhores práticas não me fez melhor com os pacientes. Precisei desenvolver empatia com os pacientes e familiares. Incorporadas estas novas habilidades, tudo ficou mais claro, porém mais desafiador.

Hoje, para mim, “salvar vidas” significa devolver qualidade de vida no tempo finito do paciente, controlar suas dores, aceitá-lo como portador de doença ameaçadora da vida e não mais liderar uma batalha irracional e emocional contra a morte.

Humanização e aceitação da morte

Sempre deixo esta frase com os jovens médicos e acadêmicos de medicina que me acompanham:

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Humanização nos tratamentos de dor e cuidados paliativos andam de mãos dadas.

Ensinar é fácil, servir de exemplo que é muito difícil.
E assim, tento ser um bom exemplo para eles. A sensação de poder transmitir algo além do conhecimento puramente técnico, com uma visão humanizada de atendimento, aceitando a finitude da vida de nossos pacientes, é algo fantástico e inspirador.

Quanto aos pacientes, aprendo muito com as vivências deles. Ouço-os com muita atenção. Através dessas experiências, melhoro a minha maneira de viver e entender o mundo que me cerca. Consigo hoje encarar os problemas de uma forma mais leve e valorizo mais cada minuto de vida que tenho.

“Temos de nos tornar a mudança que queremos ver”. – Mahatma Gandhi

 

Perspectiva alterada

A nova percepção me fez sentir como um míope colocando os óculos pela primeira vez. Cada passo desse processo trazia novos conhecimentos sobre a morte, o morrer, e principalmente o viver. No meu estado míope, enxergava o mundo através dos princípios que meus olhos conseguiam ver, tomando-os como verdades.

O mundo visto através das lentes continuou o mesmo, mas,subitamente, como se iluminado por um clarão de luz, tudo se apresentava mais nítido, bem à minha frente. As mesmas coisas vistas com olhos diferentes, alterando a realidade a cada nova interpretação do mundo e oferecendo uma nova visão.

Não via mais um paciente com doença terminal pela perspectiva da dor; passei a enxergar o lado humano e a necessidade de valorizar o tempo que lhe restava da vida, dando o máximo de qualidade possível a este tempo, para o paciente conviver com sua família e viver suas verdades junto a eles, respeitando suas crenças e suas opções.

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Suavizar o final da vida, procurando restaurar alguma qualidade de vida ao paciente de modo que consiga manter o convívio com sua família e suas verdades.

No início da minha história, falo sobre entender que não temos controle absoluto sobre a vida — essa ausência de controle é ao mesmo tempo angustiante e libertadora.

A certeza que a vida é finita estimula uma pessoa a viver e aproveitar cada minuto, a usufruir de cada momento como se fosse único. Por isso, entender a importância do tempo é o maior presente que recebemos destes pacientes, afinal, o tempo é nosso bem mais precioso e só podemos doá-lo a algo que nos mova como seres humanos.

Crédito: |Dreamstime
Tempo=Vida, nosso bem mais precioso…

As histórias contadas por esses pacientes me fizeram querer aproveitar cada momento. Surgiram perguntas: O que é importante na vida? O que nos move? O que nos faz sentir vivos? Afinal, o tempo é um bem precioso porque é vida, o patrimônio humano mais valioso e insubstituível. Em minha opinião, devemos viver de acordo com nossos princípios e nos ater àquilo que é verdadeiramente importante, que contribui para evitarmos remorso e arrependimentos ao final do nosso próprio tempo.

A medicina, na minha visão pessoal, é uma profissão técnico-científica com viés humanístico não “sacerdócio”, “missão” ou “vocação divina”. O médico especialista no tratamento da dor faz uso da ciência em prol do alívio do sofrimento humano.

A dor é um sintoma complexo que afeta a maioria dos aspectos da vida, incluindo o funcionamento físico, as atividades diárias, o estado psicológico e emocional, e a vida social. Entre os pacientes com câncer, há heterogeneidade substancial na forma como a dor é experimentada e em como ela se manifesta. Mas, de uma maneira geral, a dor representa a “face visível da doença” na qual o paciente percebe a gravidade e a existência de uma doença que muitas vezes pode estar lhe retirando a vida.

Em muitos casos, a constelação de sinais e sintomas pode sugerir uma síndrome dolorosa que através da sua identificação pode contribuir para a elucidação da etiologia da dor, dirigir a avaliação do diagnóstico, o prognóstico para clarificar a dor ou a doença em si, e guiar a intervenção terapêutica.

A dor no câncer pode ser dividida entre as que são agudas e crônicas. Dor aguda geralmente acompanha as intervenções diagnósticas ou terapêuticas, ao passo que, a dor crônica geralmente está relacionada ao próprio tumor ou a uma terapia antineoplásica.

A Medicina da Dor, portanto, tanto pelo tratamento clínico quanto pelo intervencionista, é uma ferramenta fundamental para aliviar os sintomas e o sofrimento dos pacientes com câncer ou outra doença grave.

Técnicas avançadas de intervenção e medicamentos tornam a evolução da doença mais amena e através delas é possível proporcionar mais dignidade e qualidade de vida aos pacientes. O Médico especialista em Dor tem papel fundamental no tratamento Paliativo, pois cabe a ele o alívio do sintoma que está mais intimamente ligado ao sofrimento humano, devolvendo de algum modo a vida aos últimos momentos dos pacientes.

curriculo dr carlos marcelo barros
Contato: carlosmarcelobarros@uol.com.br | 035 3292-9326 / 3299-6442

BIBLIOGRAFIA

Larson DG, Tobin DR. End-of-Life Conversations: Evolving Practice and Theory. JAMA. 2000;284(12):1573-1578. doi:10.1001/jama.284.12.1573.

Uncertainty in end-of-life care. Ridley S, Fisher M.Curr Opin Crit Care. 2013 Dec; 19(6):642-7.

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Para quem gostaria de encontrar mais informações sobre o tema da morte e final de vida, Dr. Carlos Marcelo sugere:

filme_licao_de_vidaUma Lição de Vida (filme)

Telefilme norte-americano produzido pela HBO e dirigido por Mike Nichols em 2001. Conta a história de uma professora universitária de literatura acometida por um câncer de ovário em estágio avançado. Profissional rígida, ela muda suas perspectivas e o modo como encara a vida ao descobrir a doença. (Fonte resenha: pt.wikipedia..org)

 

 

 

capa_sobre_a_morte_e_o_morrerSobre a Morte e o Morrer (livro)

Autora: Elisabeth Kübler Ross (pdf para baixar)

Publicado em 1969, o livro já está em sua 9a. edição no Brasil (Martins Fontes). O livro descreve como a autora, através de entrevistas com pacientes gravemente doentes e desenganados de um hospital de Chicago, chegou aos cinco estágios emocionais pelos quais eles passam durante o processo de morrer. Além disso, descreve as dificuldades encontradas pela equipe multiprofissional ao lidar com o paciente, as notícias difíceis e os familiares. (Fonte resenha: www.scielo.br

 

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Mortais (livro)

Autor: Atul Gawande

Publicado em 2014, o livro Mortais (Ed. Objetiva) foi um bestseller na lista do New York Times. A medicina triunfou, transformou os perigos do parto, dos ferimentos e das doenças, antes atormentadores, em fatos controláveis. No entanto, no que diz respeito ao envelhecimento e à morte, o que ela faz muitas vezes se contrapõe ao que deveria fazer.  De maneira provocadora e honesta, Mortais reflete sobre o caminho que devemos percorrer para lidar sabiamente com nossa própria finitude. (Fonte resenha: Livraria Saraiva)

 

 

 

 

 

Artigos Científicos

Will, Jonathan F., A Brief Historical and Theoretical Perspective on Patient Autonomy & Medical Decision Making – Part I: The Beneficence Model (March 1, 2011). CHEST 139 (3), March 2011; Mississippi College School of Law Research Paper. Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=2138332

Schenker, Y., Crowley-Matoka, M., Dohan, D., Tiver, G. A., Arnold, R. M., & White, D. B. (2012). I don’t want to be the one saying ‘we should just let him die’: intrapersonal tensions experienced by surrogate decision makers in the ICU.Journal of General Internal Medicine, 27(12), 1657-1665.

 

 

 

 

 

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