Estudo sugere a leitura compartilhada como uma alternativa ou complemento à terapia cognitivo-comportamental no alívio da dor crônica
A dor crônica afeta milhões de pessoas ao redor do mundo.
É um fenômeno complexo que envolve múltiplos elementos biológicos, neuroquímicos, emocionais, psicossociais e socioculturais. Além do sofrimento físico, a patologia frequentemente dá origem a alterações fisiológicas (distúrbios do sono, apetite, fadiga crônica), emocionais (depressão, ansiedade), comportamentais (incapacidade física, dependência de terceiros) e sociais (conflitos familiares, problemas ocupacionais) (Portnoi, 1999).
Nos programas de controle da dor com equipe multidisciplinar utilizando uma abordagem biopsicossocial, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) é o tratamento não-farmacológico padrão para tratar as dores psíquicas e emocionais muito comuns na dor crônica. Pesquisas recentes sugerem que a Leitura Compartilhada (LC) pode ser uma alternativa ao TCC por propiciar o acompanhamento do paciente por um período maior ou por ser um coadjuvante eficaz à TCC no controle da dor crônica. Mas,os pesquisadores dizem que antes disso se tornar uma prática difundida,ainda é preciso haver mais estudos com maior número de participantes.
O QUE É LEITURA COMPARTILHADA
A Leitura Compartilhada é uma experiência de leitura interativa na qual pequenos grupos de pessoas se reúnem para ler histórias curtas, poesia e outras publicações em voz alta.
Usando literatura que desencadeia memórias de experiências ao longo da vida – como a infância e relacionamentos – os pesquisadores descobriram que a leitura compartilhada poderá ser uma estratégia mais eficaz para ajudar a aliviar a dor crônica do que a TCC em termos de duração de efeito assim como pode ser um complemento a ela.
ESTUDO RECENTE SUGERE LEITURA COMPARTILHADA EFICAZ NO ALÌVIO DA DOR CRÔNICA
A Dra. Josie Billington, do Centro de Pesquisa em Leitura, Literatura e Sociedade da Universidade de Liverpool, no Reino Unido, e seus colegas recentemente relataram os resultados de um estudo comparativo da LC e TCC para dor crônica na revista Medical Humanities da British Medical Journal.
Estima-se que a dor crônica – definida como qualquer forma de dor que dure mais de três meses – afeta cerca de 100 milhões de pessoas nos Estados Unidos. Dor lombar, dor de cabeça severa ou enxaqueca e dor no pescoço são as formas mais comuns de dor crônica, com a dor na coluna sendo a principal causa de incapacidade naquele país.
TCC é uma forma de terapia verbal que visa mudar a forma como as pessoas pensam e se comportam, a fim de melhor gerenciar suas questões mentais e físicas. Tem demonstrado eficácia nos tratamentos de dor crônica, mas os resultados podem ser por um tempo curto.
A Leitura Compartilhada “poderia ser uma alternativa à TCC” para a dor crônica diz Billington e sua equipe.
Na sua pesquisa, Billington e colegas resolveram comparar a Leitura Compartilhada com TCC para dor crônica, uma vez que a LC é frequentemente usada para ajudar a aliviar os sintomas de outras condições crônicas, como a demência.
Pessoas com sintomas severas da dor crônica foram recrutados para participar no estudo e depois divididos em dois grupos. Um grupo fez 5 semanas de TCC e paralelamente a isso, o outro grupo fez 22 semanas de LC. Após 5 semanas, os participantes que completaram a TCC juntaram-se ao grupo de Leitura Compartilhada.
A estratégia da Leitura Compartilhada incorporou literatura que foi selecionada para despertar as lembranças de relacionamentos, familiares, trabalho e outras experiências que surgem ao longo da vida, em oposição à TCC, que se concentrou em um único ponto no qual o paciente foi afetado pela doença dor crônica. Ou seja, uma oportunidade a trabalhar as emoções da pessoa enquanto estava “inteira”, antes da dor, não somente a partir do momento em que ficou “doente”.
Os indivíduos tiveram de relatar a gravidade da dor e as emoções antes e após cada intervenção, e também mantiveram um diário, onde registraram sua dor e emoções duas vezes ao dia.
Enquanto a TCC ajudou os participantes a “gerenciar” suas emoções usando métodos sistematizados, os pesquisadores descobriram que a Leitura Compartilhada ajudava os pacientes a “achar” e lidar com emoções dolorosas que poderiam estar contribuindo para sua dor crônica. Um ato involuntário ao invés de intencional.
Além disso, os pesquisadores descobriram que após a leitura compartilhada, a severidade da dor e o humor melhoravam por até 2 dias. Entres outros relatos, alguns participantes falaram de melhores noites de sono enquanto outros se sentiam mais energizados.
“Quando saio do grupo, sinto que meu astral levantou…sabe, foi uma conquista fazer isso. Já notei isso. Antes do grupo não fazia nada. Achava difícil conseguir me divertir. Mesmo que seja por alguns dias, vale para mim porque estou conseguindo fazer alguma coisa. Até sair mais com o cachorro. Aí penso que consegui uma satisfação ou diversão com aquilo, que antes não conseguia.”
[quotes style=”modern” align=”center” author=”Dr. Josie Billington”]Nosso estudo indicou que a Leitura Compartilhada tem grande potencial como alternativa para a TCC por deixar o/a paciente de dor crônica ciente da sua dor emocional, que, de outro modo, ele/a sofreria passivamente. O incentivo a confrontar e suportar as dificuldades emocionais que a LC propicia, a torna valiosa como um acompanhamento de longa duração ou como complemento ao foco do TCC no controle das emoções no curto prazo.[/quotes]
Mesmo com os resultados promissores da Leitura Compartilhada como uma abordagem alternativa não-farmacológica no tratamento da dor crônica, a equipe diz que mais estudos com maior número de participantes são justificados.
NO BRASIL
Acerca do tema Leitura Compartilhada, Dra. Clarice Caldin, professora-assistente da UFSC, expõe o seguinte: A leitura (narração ou dramatização, por extensão) pode proporcionar: a catarse, na medida em que libera emoções; a identificação com as personagens, no momento em que o sujeito assimila um atributo do outro ficcional; e a introspecção, ou seja, a educação das emoções (2010).
É interessante notar que aqui no Brasil, em 2012, um deputado gaúcho propôs um projeto de Lei que visa incluir a biblioterapia em todos os hospitais públicos do país e naqueles contratados ou conveniados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas a matéria foi retirada de pauta em 2015. Aguardamos mais notícias.
Aqui vale mencionar que no Reino Unido o serviço nacional de saúde (NHS) já adotou oficialmente este método em um programa chamado “Books on Prescription”, que até dispõe de um website onde pode-se encontrar recomendações de livros. Fora isso, a leitura terapêutica também é bem difundida em hospitais e centros de saúde assim como em bibliotecas e centros comunitários.
Podemos dizer que a Leitura Compartilhada terapêutica leva a pessoa a ter maior tolerância e aceitação dos estados emocional e físico que ela vivencia, assim como possibilita mudanças comportamentais relevantes. E melhor ainda, permite momentos de desligamento da dor. Como diz uma inglesa sofredora de dor crônica que participa de um programa desses, “Você se perde na história. Não acaba com sua dor, mas você fica tão envolvida na história e com que as pessoas estão falando que a dor fica suspensa por um tempo.”
Dar voz às suas experiências de dor ajudam o leitor a processar a experiência, o ouvinte a ouvir de alguém que sabe o que está falando e a comunidade a estreitar laços, identidade e normas sociais (Medicina Narrativa, University of Michigan)
Se encontrarmos a nossa narrativa pessoal, podemos revisitá-la, aprofundar nela e mudar aquilo que conseguirmos. Isto é libertadora…
Para quem quiser saber um pouco mais sobre o assunto, além das fontes, incluo abaixo uma lista de leitura indicada.
Fontes digitais
https://www.sciencedaily.com/releases/2017/03/170301105600.htm
http://mh.bmj.com/content/early/2016/12/09/medhum-2016-011047
https://www.liverpool.ac.uk/media/livacuk/instituteofpsychology/PDFComparing,Shared,Reading,and,CBT,for,Chronic,Pain.pdf
http://www.ericdigests.org/1993/bibliotherapy.htm
LINK PARA A PESQUISA NA ÍNTEGRA EM PDF
LEITURA EM INGLÊS: Artigo do New Yorker – Can Reading Make you Happier?
LEITURA AUTORES BRASILEIROS
Biblioterapia no âmbito hospitalar – Silvia Bortolin e Sandra Silva (Univ. Estadual de Londrina)