Dor Referida: Anatomia e Mecanismo

O consenso dos neurocientistas até o momento é de que a dor referida ocorre quando fibras nervosas de regiões de densa inervação (como a pele) e fibras nervosas das regiões menos densamente inervadas convergem nos mesmos níveis do cordão espinhal.

Mecanismo Dor Referida Visceral
Fig. 1 Mecanismo de dor referida de origem visceral

Se lembram do caso do coração durante um infarto? As fibras nervosas sensoriais do coração levam sinais de dor até T1-T4 (vértebras torácicas) do lado esquerdo, o mesmo nível onde se encontram as fibras que suprem o lado esquerdo do peito e do braço. Não acostumado a receber sinais fortes do coração, o cérebro interpreta os sinais como se tivessem vindo do peito e do braço ou de outros locais supridos pelos mesmos nervos.

Dor no ombro ou dor interescapular também podem ser referidas (sentido em lugar distante da origem da dor) e vou explicar um pouco da anatomia dos nervos locais envolvidos para vocês poderem entender melhor.

Todos os órgãos em algum momento encostam no diafragma (músculo fino e abaulado que sobe e desce quando respiramos). Este é inervado por dois nervos (esquerdo e direito) que saem dos níveis C3, C4 e C5 (da coluna vertebral). Estes nervos — chamados nervos frênicos — transmitem impulsos sensoriais e motores, fazem o diafragma movimentar e levam sensações do diafragma até o sistema central nervoso (SCN). O diafragma, como os órgãos viscerais, a maior parte do tempo não possui sensação para ser transmitido, pelo menos não em nível consciente.

Dor referida no ombro
Fig. 2 Inervação do diafragma mostrando a associação entre os nervos frênicos e os nervos supraclaviculares, responsável pela dor referida de origem visceral. Desenho menor mostra as áreas (dermátomos) onde há percepção da dor referida, distante da origem da dor. O segundo desenho mostra o mesmo de uma visão lateral.

Mas, quando um órgão vizinho adoece, pode irritar o diafragma e consequentemente inundar as fibras sensoriais dos nervos frênicos com sinais de dor. Estes sinais são transmitidos até o cordão (ou medula) espinhal em nível C3-C5, como podem ver no desenho acima onde os sinais originam no fígado ou vesícula biliar.

Acontece que C3 e C4 não somente mantém o diafragma funcionando; neurônios neste nível também recebem sensação dos ombros, via os nervos supraclaviculares. Também mostrado no desenho saindo em torno da região da escápula. E, por isso, quando o alarme soa em C3 e C4, o cérebro presume (de forma lógica) que o ombro é o culpado e não um órgão adoecido. O desenho menor do lado superior direito mostra as áreas onde a dor referida visceral é sentida.

Situação semelhante ocorre com as sensações das articulações, ligamentos e músculos. Embora possuam inervação considerável e uma representação grande no cérebro, as sensações a eles associadas são predominantemente posicionais. Os receptores sentem tensão, alongamento, movimento, e vibração, permitindo a sensação da imagem corporal e da posição da articulação. Quando estas fibras nervosas começam a transmitir sensações de “dor”, o cérebro tem dificuldade em localizá-las, e acaba interpretando que estão vindo de um lugar que normalmente emite sensações de dor, tal como a pele.

Dermatomos associados a nervos espinhais
Fig. 3. Esquema dos dermátomos associados aos nervos espinhais.

No caso da dor de uma cólica ou espasmo, a dor visceral, a dor passa pelo sistema nervoso autônomo (SNA), involuntária, que é composto das cadeias simpático e parassimpático. O sistema autonômico controla a função dos nossos órgãos e as nossas reações instintivas de sobrevivência. Ou seja, quando o corpo fica em alerta, os órgãos também ficam prontos para aumentar ou diminuir seu funcionamento para enfrentar o real ou imaginário perigo iminente.

Haja visto que dor é definida como: “…uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a dano tecidual real ou potencial ou descrita em termos que sugerem tal dano”, dependendo da intensidade da dor, além da dor referida, os estímulos poderão levar o cérebro a interpretar que existe perigo e a reagir da seguinte maneira.

Sistema Nervoso Autônomico
Fig.4. Sistema Nervoso Autonômico

Em conclusão, sobre a neuroanatomia e o mecanismo da dor referida, expliquei como — por ter inervação menos densa que a pele — a dor somática profunda oriundo dos músculos, articulações, e tecidos moles, a dor visceral dos órgãos, e a dor isquêmica dos dois, podem ser confundidas e percebidas como tendo originado nas áreas do corpo supridas por nervos originando no mesmo nível da coluna vertebral (dermátomos), e que pertencem ao Sistema Nervoso Periférico.  (Fig.3). Finalmente, uma cadeia de gânglios simpáticos paravertebrais, situadas bilateralmente ao lado da coluna vertebral torácica e lombar, compõem o Sistema Nervoso Autonômico, que pode também entrar em jogo no caso de dor de alta intensidade.

Mas, qual é a utilidade dessas informações? Antes de iniciar um plano de tratamento de dor, é importante que dores persistentes sejam melhor investigadas porque podem mascarar dor devido ao acometimento de algum órgão, músculo, articulação ou tecido mole. E, descoberto o foco da dor, seu clínico ou médico de dor, poderá tratar sua dor com mais eficácia.

Agradeço a atenção, e até a próxima!

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