A dor que persiste por mais de três meses deixa de ser um sinal e passa a ser uma doença. Já não tem propriedades de preservar a vida; o corpo deixa de ser sede de prazer e passa a ser morada da dor. Isso leva a desdobramentos como ansiedade e depressão, o que acentua a dor crônica, entrando então em um círculo vicioso. Uma dor mal estudada, mal conduzida pode passar de aguda (dor que dura até 3 meses) para crônica. E a dor crônica é bem mais difícil de se tratar já que apresenta um padrão bastante distinto conhecido por sensibilização central.
E o que é isso?
Existe uma facilitação no transporte na informação neuroquímica até o cérebro e é no cérebro que teremos o entendimento que estamos sentindo dor. Uso aqui um exemplo para leigos: onde passa um boi passa uma boiada. Normalmente temos dois sistemas para controlar esse transporte de informação: um sistema modulador ascendente, que freia a informação de chegar ao cérebro e também temos um sistema modulador descendente que coloca “mais polícia” na rua para controlar a dor. Uma informação de dor constante, contínua, quebra esse equilíbrio rompendo a ” cerca “, deixando uma boiada passar, por assim dizer, o que caracteriza a sensibilização central.
O resultado?
Estímulos antes não dolorosos como um mero toque na pele podem expressar sensação de dor. Por isso, faz-se necessário tratar a dor antes que tenha início esta sensibilização exacerbada. Como descrevi em posts ao longo do mês de julho, o interesse pelo tratamento da dor iniciou após a Segunda Guerra Mundial na Universidade de Washington (Seattle) com o professor, John Bonica. Ali recebiam muitos soldados que vinham da guerra com algum membro amputado e com dor de membro fantasma.
Bonica foi quem instituiu o tratamento multidisciplinar, onde vários profissionais tratavam o paciente ao mesmo tempo, discutindo o caso entre si. A abordagem terapêutica multidisciplinar evoluiu para um tratamento interdisciplinar, que hoje envolve a participação ativa de um médico de dor, enfermeiro/a especializado/a na área, psicólogo, psiquiatra quando necessário, fisioterapeuta, educador físico, acupunturista e musicoterapeuta, por exemplo, para tratamentos complementares, e, é claro, o paciente exercendo um papel ativo também.
Felizmente, com o aumento de informações sobre o assunto nos veículos da mídia, mais pessoas do público em geral começam a levar a sério a dor crônica e procuram tratamentos de dor dos mais variados e para as mais variadas dores em centros de dor com equipe interdisciplinar como a instituição em que trabalho.
Agora, falar da dor crônica me fez pensar nos bravos atletas que, para chegar a participar de Olimpíadas, muitas vezes enfrentam dores crônicas seríssimas, e eles, diante do seu amor ao esporte e aos compromissos com seus empregadores e patrocinadores, mal têm tempo para enfrentar tratamentos.
É muito bom estar no pódio, mas, vida de atleta não é fácil! Pois, ao demandar alto rendimento do seu corpo, o atleta está sempre exposto à possibilidade de lesão, mas, quando se lesionam, a maioria das vezes utilizam terapias rápidas para poder voltar a treinar e competir mais rápido, ignorando, ou simplesmente tomando analgésicos para atenuar suas dores. Mas, chega num ponto em que se torna insustentável conviver com as dores.
Isto nos leva de volta à sensibilização central, que pode ocorrer nos casos dos atletas e praticantes regulares de esportes. E isto é somente um segmento entre muitos brasileiros. Pense nas pessoas que trabalham em fábricas que têm de realizar o mesmo movimento repetidas vezes, como, por exemplo, numa montadora, ou fábrica de peças. Quais técnicas o médico de dor pode usar para tratar pacientes com dor crônica após os tratamentos convencionais falharem? O ideal é procurar a medicina intervencionista da dor, que investiga o motivo exato da geração da dor antes de instituir o tratamento.
Um exemplo: paciente com dor lombar. Essa dor pode ser do disco (dor discogênica – 39% dos casos), dor de artrose da coluna (dor facetária -30%), dor da articulação sacroilíaca -20%), dor dos músculos (dor miofascial como músculo psoas, quadrado lombar- 10%).
Para a dor lombar temos uma ferramenta muito interessante que é o bloqueio diagnóstico. Leva-se o paciente para uma sala cirúrgica equipada com um raio X ( intensificador de imagens; como se fosse uma câmera digital) e anestesia uma das estruturas citadas acima. Se a dor passar, concluímos que a dor está surgindo dali. É importante informar que os bloqueios são específicos e não podemos realizar todos os bloqueios no mesmo dia porque assim não é elucidativo; um a cada intervenção!
O citado por último é ainda incipiente à cultura brasileira e como presidente do capítulo latino-americano do World Institute of Pain, eu e os outros membros temos o compromisso de levar essa cultura a novos médicos, e assim fazemos no Singular onde desenvolvemos cursos divulgando essa metodologia.
Nos últimos 5 anos, novas drogas para o controle da dor surgiram, novos bloqueios e procedimentos intervencionistas também. Encorajo aqueles que passaram por tratamento há algum tempo e não obtiveram sucesso buscar novamente ajuda. Tenham um ótimo início de semana!
Revisado em 09/02/2013
Atualizado em 04/08/2017